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Médicos opinam sobre a possibilidade de paciente mulher ter direito a acompanhante quando submetida à sedação ou anestesia
Eugênio José P. Maciel e Renata Gullini participaram da sessão ordinária desta terça-feira, 7, a convite do Poder Legislativo
Convidados a se manifestarem sobre a proposta de lei que permite às mulheres serem acompanhadas por alguém de sua livre escolha quando submetidas a procedimentos médicos que requeiram sedação ou anestesia, Eugênio José Paiva Maciel, intensivista, diretor-técnico e chefe da UTI do Hospital Azambuja, e Renata Gullini, especialista em anestesiologia, participaram da sessão da Câmara Municipal nesta terça-feira, 7 de novembro. A presença dos médicos em plenário atendeu a um requerimento do vereador Marcos Deichmann (Patriota) motivado pelo PL nº 78/2023, da vereadora Marlina Oliveira (PT).
Crítico à iniciativa, Dr. Eugênio argumentou em prol do controle ético-profissional no exercício da medicina. “No nosso caso específico [do Azambuja], a gente tem um cuidado muito grande com ética [...]. Qualquer procedimento que a gente vai fazer, a gente se resguarda com proteção, segurança, estabilidade. Existe um pessoal de apoio. Existem condutas que, pra nós, é rotina, é a profissão”, disse.
“Em relação a exames, primeiro, tem que ter uma relação médico-paciente. Quem vai fazer o exame, confia no profissional”, defendeu. “Segundo, num procedimento médico, a gente tenta se resguardar o máximo possível. Por exemplo: estamos fazendo angioplastia, o exame das coronárias. É comum dar um problema, lesar uma artéria e a gente ter que reverter essa situação, intubar o paciente. Pode acontecer uma parada, vamos reanimar. Imagina uma pessoa que não está preparada pra [ver] isso. Você está fazendo um ato qualquer e o acompanhante passa mal. Tem que parar, [vai haver] desvio de conduta, de procedimento”, alertou.
Dra. Renata, por sua vez, endossou o ponto de vista do colega a respeito da conduta ética dos profissionais da medicina, com foco nos anestesistas. “Quando vemos atos como esses que aconteceram no Rio de Janeiro, onde a pessoa que deveria estar ali pra proteger o paciente se torna o agressor, isso choca muito”, frisou. “Entretanto, isso não é nem a maioria nem a minoria dos profissionais, são casos raros e por isso chamam tanto a atenção, pela tamanha bizarrice, pois durante toda a nossa formação somos encaminhados para a formação dessa conduta ética e de proteção aos pacientes, abominando qualquer tipo de violência”, emendou.
A médica apontou que comportamentos abusivos não são exclusividade de médicos mal-intencionados: “Existem pessoas más, doentes, com más intenções, em todos os âmbitos: em escolas, asilos, no transporte escolar, em vários locais. O nosso objetivo, como bons profissionais, é termos a capacidade de diagnosticar isso e a coragem de denunciar esse tipo de conduta quando temos alguma desconfiança”, sugeriu. “Acredito que o paciente ter um acompanhante não seja o ideal, mas sim termos bons sistemas de acompanhamento dos profissionais, para que eles sejam sempre conduzidos pelo caminho ético. No hospital onde a gente trabalha, o paciente nunca está sozinho, está sempre acompanhado de pelo menos dois profissionais. Durante a anestesia, nós temos sempre um técnico de enfermagem como auxiliar. Na sala de cirurgia, temos instrumentadores, médicos cirurgiões, geralmente mais de um, técnicos de enfermagem circulantes”, informou. “Quando o paciente é acordado e vai para a sala de recuperação, ele é acompanhado por dois técnicos de enfermagem até ter alta do centro cirúrgico”.
Para a anestesista, o acompanhante seria “uma pessoa despreparada tanto tecnicamente quanto emocionalmente”, correria riscos de infecção, poderia representar perigo à segurança do ambiente hospitalar, interferir na privacidade do paciente e até mesmo distrair os profissionais durante a realização de protocolos. “Ele não sabe quais seriam as melhores condutas para aquele paciente em qualquer momento, seja de urgência ou não, e também não tem o preparo emocional para estar naquele ambiente, o que pode levar a prejuízos para o paciente, a equipe e para o próprio acompanhante”.
“Utilidade nenhuma”
Com a palavra, Deichmann anunciou ter apresentado um substitutivo global ao PL nº 78/2023, a fim de que o conteúdo seja reavaliado pelas comissões da casa legislativa. “Pra quem já teve a experiência de estar dentro de uma sala de cirurgia, dentro de uma UTI, e ver como a coisa acontece, sabendo que as pessoas aqui fora não têm noção do trabalho que é feito com todo o cuidado para que o foco seja o paciente, pra salvar a sua vida, eu tenho certeza que um acompanhante não vai servir, não vai ter utilidade nenhuma nessa situação, a não ser talvez até atrapalhar o procedimento”, destacou.
Contraponto
Já Marlina pediu desculpas aos médicos pelo parlamento e disse que o objeto do PL nº 78/2023 foi “extremamente desvirtuado” quando comunicado a esses profissionais. Ela confirmou o direito previsto no texto, mas esclareceu que a proposta traz exceções à regra, que são os casos de atendimentos em centros cirúrgicos e de terapia intensiva; atrasos do acompanhante; e situações de urgência e emergência. “O projeto é extremamente explícito e me parece que há um não entendimento dessa questão”, disse.
Ela explicou que a ideia se apoia em dados oriundos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, disponibilizados à época em que Damares Alves era a titular da pasta, durante o governo Bolsonaro. “O relato que trazia é que, a cada dois dias, uma mulher em nosso país fazia denúncias a respeito dos abusos que sofrem em procedimentos. Então, não é um caso isolado, é um problema social colocado”, ponderou.
Projeto federal
Marlina salientou, ainda, que um projeto de lei (PL nº 81/2022) sob a relatoria da deputada federal Bia Kicis (PL-DF) visa tornar o direito da mulher a um acompanhante, em consultas e exames, regra nacional. A matéria, de autoria do deputado Julio Cesar Ribeiro (Republicanos/DF), aguarda a sanção presidencial. “Nada mais é do que um conjunto de ações que visa proteger o direito das mulheres, sempre respeitando a condução do profissional que está executando o trabalho e, de forma alguma, é uma afronta a esta nobre profissão”, concluiu.
Contribuições
Outros vereadores se envolveram no debate. Jean Pirola (PP) considerou que “existe lei para punir” os casos de transgressão e que o assunto “não deveria nem ter pauta” no Legislativo brusquense. Jocimar Santos (DC) discordou: “A Voz do Brasil ontem estava justamente falando do projeto que está sendo discutido no Congresso Nacional. É um assunto que está à tona, está sendo discutido e isso é muito saudável. Que bom que essa discussão veio para a Câmara de Vereadores”.
Assista: https://youtu.be/3e9HYrVP72s
Texto: Talita Garcia/Imprensa Câmara Brusque.